27 de setembro de 2010

Carta de repúdio à série “É bom pra quê?”

   A série “É bom pra quê?”, veiculada pelo programa Fantástico da Rede Globo, me chamou a atenção desde o início pela forma no mínimo imparcial com que estão sendo conduzidas as reportagens. Por isso, faço questão de colocar trechos da carta de repúdio da farmacêutica e pesquisadora da USP Andresa Aparecida Berretta e Silva à Rede Globo. Acredito, inclusive, que essa carta, assim como outras que a equipe de reportagem deve ter recebido, ao menos contribuiu para minimizar os efeitos negativos da série, uma vez que na reportagem do dia 26/09 Drauzio Varella tomou certos cuidados ao entrevistar centros sérios de pesquisa e não enganar suas fontes como o fez nas primeiras matérias.  
“Prezada Equipe Técnica,
   No último dia 29, a população teve acesso ao início de uma série que prometia ser muito interessante, já que a mesma teria a oportunidade de receber informações de qualidade sobre os benefícios ou não das plantas medicinais, que é um assunto que merecia ser abordado no Programa “Fantástico” há muito tempo.
   Surpreende, no entanto, que a reportagem seja conduzida por um profissional que não tenha nenhum conhecimento no assunto foco e tampouco experiência com os medicamentos abordados, ficando assim, muito prejudicado e confuso o conteúdo que está sendo veiculado, prejudicando a população, quando se esperava, na verdade, um conteúdo que orientasse “sem viés” a mesma sobre o uso racional de fitoterápicos, assim como já se faz com os medicamentos sintéticos e que se pode melhorar no caso dos fitoterápicos. É fato que a população se automedica com plantas, e pior, com medicamentos sintéticos, cabendo aos profissionais de saúde e aos veículos de comunicação, uma adequada orientação quanto aos riscos e benefícios dos medicamentos de venda livre e dos vendidos sob prescrição médica, além disso, incluem-se nessa lista, os fitoterápicos, produtos devidamente legalizados pela ANVISA, através de normas claras de identidade, qualidade, segurança e eficácia (RDC n. 14/2010) [...].
   Acredito que tais trechos demonstram claramente que os fitoterápicos são regulados em nosso país e este fato não é de conhecimento do Dr. Drauzio, no caso, um médico que não conhece plantas medicinais, já que se conhecesse, em seu exemplo sobre a aspirina, saberia explicar que tal substância foi gerada a partir do ácido salicílico, proveniente da planta medicinal Salix Alba ou Salgueiro.
   A obtenção de fitoterápicos parte sim, na grande maioria dos casos, do conhecimento popular, isso é tão evidente que o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) estabeleceu normas de acesso ao conhecimento tradicional associado, justamente para regular o acesso a tais informações. [...]
   O Brasil é um país rico em pesquisadores, que fazem pesquisas sérias publicadas em revistas científicas renomadas na área de fitoquímica, farmacologia, que envolvem estudos pré-clínicos de segurança e eficácia, além de pesquisas clínicas. É uma ironia e ao mesmo tempo uma vergonha, o Dr. dizer em resposta a uma pergunta da Revista Época, que não existe pesquisa clínica com fitoterápico, e pior, que não existe ninguém querendo fazer. [...]
   Sugiro à equipe do programa entrevistar centros de pesquisa clínica que conduzem esse tipo de protocolo clínico que o Dr. Drauzio parece conhecer bem, como ocorre na Universidade Federal do Ceará, e entrevistar médicos com conhecimento de causa como o Dr. Manoel Onorico de Moraes, quem sabe ele sim tem capacidade técnica de discorrer sobre um trabalho tão sério que vem sendo realizado [...]”.

A carta foi extraída do Blog Saúde da Vítima. Leia-a na íntegra: http://saudedavitima.blogspot.com/2010/09/serie-do-doutor-drauzio-varella-no_24.html


16 de setembro de 2010

Espetacularização da Ciência – Intercom 2010

   Tive a oportunidade de apresentar trabalho no GP Interfaces Comunicacionais do Intercom 2010 em Caxias do Sul (RS). Na sessão Mídia e Saúde, realizada no dia 03/09, o pesquisador da USP, Ricardo Alexino Ferreira, falou sobre a questão da espetacularização da ciência, questionando se é um fenômeno de desenvolvimento social, informação sensacionalista ou marketing institucional.

   Em primeiro lugar, Ricardo questionou o uso da terminologia “divulgação científica”, a qual apresenta em seu ponto de vista problemas e limitações. Ele propõe assim o termo “midiologia científica”, na medida em que traduziria um leque maior de interdisciplinaridade em contraposição à comunicação ou divulgação científica. Dessa forma, o novo termo é multifacetado, multidisciplinar e transversal.

   Uma discussão levantada pelo pesquisador da USP diz respeito ao analfabetismo científico, questionando em que medida a comunicação científica leva a uma formação real da ciência ou estimula a ignorância da produção científica de fato. Para comprovar sua tese, Alexino mostrou diversos recortes de jornais, em que a ciência é mostrada como verdade absoluta. Além disso, de modo geral, ela é, muitas vezes, retratada de uma forma estereotipada: o laboratório quase sempre tem tubos de ensaio e outros aparatos de pesquisa; associação ao cérebro e imagens futuristas.

   Todo esse debate me suscitou diversas questões. Uma delas, inclusive, debatida inúmeras vezes em encontros no PPGICS, que diz respeito à visão positivista da ciência, que passa a ser encarada como verdade e não como uma construção do conhecimento. E acho que o jornalismo científico, ou melhor, todas as editorias, devem ter cuidado ao reproduzir e legitimar essa visão na sociedade.

8 de setembro de 2010

Juventude, Comunicação e Mudança Social – Intercom 2010

   Entre os dias 02 e 06 de setembro, aconteceu em Caxias do Sul (RS) o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), o maior evento que reúne estudantes, pesquisadores e profissionais da área. O tema central desse ano foi Comunicação, Cultura e Juventude. A palestra de abertura “Juventude, Comunicação e Mudança Social” contou, assim, com a contribuição do pesquisador da Roskilde University da Dinamarca, Thomas Tufte. Com experiência em pesquisa voltada para a juventude, Tufte iniciou sua fala a partir de uma questão que considera chave, a saber: “Como os jovens utilizam a mídia – seja como consumidores, atores ou cidadãos críticos – para se referirem à sociedade e responder à injustiça, desigualdade e insegurança?”.

   Dessa maneira, no seu estudo, Thomas quer investigar como a juventude hoje se comunica para a mudança social, a partir das contribuições das pesquisas na América Latina. Ele cita três legados desses trabalhos sobre a comunicação e desenvolvimento. O primeiro seria o compromisso em buscar estratégias de base, sustentadas no ´empoderamento´ (enpowerment) e crítica social da comunidade. O segundo relaciona-se à questão da dimensão cultural mais articulada, em que se encontram múltiplas formas de mobilização social e cultural. E por último, a forte voz da América Latina no debate internacional sobre uma Nova Ordem de Informação e Comunicação (o debate NWICO). Tufte identificou três correntes de pesquisa sobre a Juventude e a Comunicação:

1). Celebração acrítica: participação eletrônica, interatividade, sentido criativo e envolvimento ativo;

2). Perspectiva crítica: processos de resistência dos jovens marginalizados por meio das mídias e dos discursos críticos;

3). Perspectiva cotidiana ou etnográfica: subjetividades em elaboração e identidades em negociação.

   A partir desse mapeamento dos estudos sobre comunicação e juventude, o pesquisador indica que faltam explorações empíricas mais profundas das realidades juvenis, que adotem uma abordagem transdisciplinar. Nesse sentido, Thomas apresentou casos da Tanzânia no continente africano onde realiza pesquisas. Um movimento da juventude nesse país é o Bongo Flava, através do qual se tenta reafirmar a identidade cultural por meio do hip hop (Veja o vídeo feito por esses jovens em referência a Dar Es Salaam, grande metrópole da Tanzânia).

   Em busca de entender a complexa relação entre a juventude e a mídia, Tufte faz alguns questionamentos, como: de que modo as práticas midiáticas e comunicacionais são parte das vidas cotidianas dos jovens hoje; de que tratam alguns dos contextos societários que influenciam a vida dos jovens na atualidade; e como conceitualizar a juventude. Além de divergências e contradições, os debates sobre esse tema também apontam desafios para o campo da comunicação. O pesquisador reafirma que os estudos contemporâneos têm de considerar que os jovens hoje são consumidores de produtos culturais, mas também protagonistas nos processos comunicacionais.

Outras informações sobre a pesquisa: Acesse MEDIeA.